ARTES – Possibilidades
de interdisciplinaridade nas Formações Básicas
Fernando Antonio Mencarelli – FTC/EBA
Considerações iniciais
Esta é uma proposta feita para a área
de Artes e não pela área de Artes. É uma proposta individual, que, no entanto, foi
compartilhada com alguns colegas professores que muito contribuíram para seu
aperfeiçoamento. Em conversas com colegas professores da Escola de Música e da
Escola de Belas Artes ficou claro o grande interesse pelo projeto da ampliação
da interdisciplinaridade na graduação, e pela participação da área nesse
projeto, assim como o desejo de realizar uma ampla discussão da área na UFMG,
com toda a comunidade e em suas instâncias formais (colegiados, departamentos,
congregações). O IEAT reconheceu esse interesse e sinalizou com a possibilidade
de realização de um seminário que aprofunde as discussões da área. Fica então
manifesto o endosso à ideia e o desejo que esse seminário possa ocorrer dentro
dos próximos meses para dar continuidade às reflexões em curso.
PROPOSTA
Em vez de apresentar possibilidades de
Aproveitamentos e Fusões Curriculares (que teriam vários exemplos e
possibilidades), preferi concentrar esta fala na apresentação de uma Proposta
de presença das Artes nas futuras Formações Básicas.
Conhecimento em arte
Uma das características do conhecimento
em arte é a indissociabilidade entre
teoria e prática. Trata-se de um saber-fazer, de um conhecimento pelo
fazer, que envolve a capacidade de gerar pensamento e de refletir sobre o
próprio conhecimento (por isso não se trata de um conhecimento apenas técnico
ou de um ofício). Trata-se de um pensamento-ação, ação que é pensamento. O
conhecimento em arte – e não sobre arte - é um conhecimento que se constitui pela
experiência, um conhecimento corporificado. A dimensão da performance é uma de
suas principais características. A performance como processo transformador,
geradora de experiência. A performance como transformação do sujeito e do
mundo. A improvisação é objeto e metodologia, pois se trata de operar entre os
modelos e a realidade, em trabalhar com e sobre o tempo, com a transformação de
materiais, em desenvolver a capacidade de lidar com o acontecimento, com o imprevisível,
com as descobertas e os erros, com a abundância e a falta. Trata-se também de
uma forma de cognição inventiva. Pois envolve abordar os problemas a partir das condições
dadas, o que fazer com o que é dado, operar a partir da percepção e da
imaginação. E envolve modos de formação dos sujeitos, modos de estar no mundo. É
sua característica também ocupar-se das dimensões da percepção e do contato, e
por isso manifesta-se como relacional e coletiva. Manifesta-se também como
conhecimento processual e transversal. Talvez possamos pensar que se trata mais
de formas de indisciplinas do que disciplinas, pois envolve a dimensão das
transgressões, um abordar pelas margens. Por isso, o conhecimento em arte pode
agregar ao estudo de conceitos fundamentais
a questão do estudo de procedimentos
fundamentais para a pesquisa e a produção de conhecimento, em uma direção
que vai do conceito à ação.
Eixo principal das atividades: os processos criativos
Se há um aspecto que é transversal às
diversas formas de arte e ao qual a área se dedica desde sempre é o estudo do
“como fazer”, dos processos criativos. Este talvez seja seu “know how”,
acumulado e compartilhável. Por isso sugerimos que a presença das artes na
formação básica da universidade em um projeto interdisciplinar pode se dar
através de um eixo principal, um grande articulador, para o desenvolvimento de
atividades acadêmicas: os processos
criativos.
Metodologia:
A proposta envolve oferecer atividades acadêmicas, de ensino,
pesquisa e extensão, que integralizariam créditos para os estudantes sob a
forma de disciplinas e atividades de ensino; projetos e programas
extensionistas; seminários e laboratórios de pesquisa. É importante ressaltar
que os colegiados deveriam valorizar e ampliar as possibilidades de
integralização curricular nestes diversos formatos. As atividades seriam ofertadas
por equipes ou núcleos interdisciplinares de docentes, com a participação de
estudantes de graduação e pós-graduação de diversas áreas, que estejam
desenvolvendo ou queiram desenvolver projetos integrados em torno de temas motrizes de conteúdos variáveis a
partir do eixo principal processos
criativos.
O formato recomendado é o da criação de
lugares de interação contínua entre artes-humanidades-ciências, que
funcionariam como laboratórios teórico-práticos.
As atividades acadêmicas poderiam ser
ofertadas por Colegiados e articulações de colegiados, mas também, a partir da
aprovação dos colegiados, por grupos de pesquisa ou associações de grupos de
pesquisa interdisciplinares, laboratórios ou associações de laboratórios,
centros de estudos, centros de extensão, ou núcleos de docentes, entre outros.
Otimizando a capacidade instalada e a nucleação já pré-existente nos diversos âmbitos
da Universidade e estimulando a criação de novos agrupamentos, abrindo suas
atividades – e gerando novas - para que estas fossem integradas ao programa da
formação interdisciplinar na graduação, seja ela básica ou avançada.
Esses espaços laboratoriais seriam
criados por oferta e por demanda e poderiam contemplar alunos em diferentes
estágios (do início ao final de seus percursos acadêmicos).
Temas motrizes:
A partir do eixo principal Processos Criativos, os temas motrizes seriam articuladores das
atividades acadêmicas desenvolvidas pelas equipes interdisciplinares. Seus
conteúdos seriam variáveis e propostos pelas equipes às instâncias colegiadas.
Pode-se destacar ao menos dois temas
motrizes que, por sua relevância, poderiam ser continuamente tratados em
atividades acadêmicas: a performance e a improvisação. Ambas vistas neste caso
como geradoras de metodologias de pesquisa e produção de conhecimento.
1.
Processos criativos:
a improvisação
2.
Processos criativos:
a performance
Outros exemplos de temas motrizes:
1.
Processos criativos:
corpo-mente-afeto-cognição
2.
Processos criativos:
a percepção
3.
Processos criativos:
sujeito-objeto-ação
4.
Processos criativos:
ação coletiva
5.
Processos criativos::
espontaneidade e estruturação
6.
Processos criativos:
contato
7.
Processos criativos:
técnica e invenção
8.
Processos criativos:
redes de informação
9.
Processos criativos:
artes digitais
10.
Processos criativos:
intervenções urbanas
11.
Processos criativos:
espaço-tempo
12.
Processos criativos:
arte e conhecimento
Em sua dimensão extensionista, além
dessa possibilidade de trabalhar a partir de temas/problemas, seria possível
pensar na atuação a partir de outros pontos de partida, relacionados aos
lugares para interação: como uma comunidade específica, um bairro, uma
instituição, a partir de onde os temas/problemas emergiriam (vide exemplo do
Festival de Inverno).
Tecnologia, inovação e criatividade
As mudanças de paradigmas postas pela
chamada sociedade do conhecimento requerem mais do que nunca que continuemos
permanentemente debatendo os sentidos de alguns termos que foram incorporados
aos discursos dos organismos que elaboram as políticas econômicas
internacionais, às políticas estatais para ciência e tecnologia e mesmo às
missões traçadas pelas grandes corporações multinacionais. Tecnologia, inovação e criatividade constituem
hoje um tripé mágico para o desenvolvimento das economias no capitalismo em sua
nova roupagem. Como consequência disso e direcionadas ao campo ampliado da
cultura e ao específico das artes, começam a ganhar corpo expressões como
economia criativa, que se não forem profundamente debatidas podem sequestrar o
conhecimento acumulado no âmbito das artes e domesticá-lo como dispositivo de
desenvolvimento do mercado. É urgente portanto que as artes integrem o projeto
de formação interdisciplinar na universidade, compartilhando a natureza do conhecimento em
arte em suas particularidades no contexto ampliado da universidade. Colocando
em pauta, por exemplo, outros modos de pensar e ser nas sociedades
contemporâneas, assim como outras possibilidades de incorporar-se a elas e
transformá-las. Dessa forma, podemos compartilhar noções que envolvem as
tecnologias do corpo e do trabalho coletivo; a inovação como ação/transformação
da realidade; a inovação como foco nos processos; ou a criatividade como
invenção e descoberta de novas formas de ser e fazer em contextos determinados.
Ressaltando assim a importância dessa formação que visa o desenvolvimento da
pesquisa, do ensino, e da atuação do indivíduo como cidadão e profissional.
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